Editora baiana reúne Brasil, Colômbia e Moçambique em Coleção poética
A poesia transita em um passeio interior e anterior à palavra. Fosse em Pedras Rúnicas ou monólitos, inserida em garrafas, lançadas ao mar, digitada ou gravada em madeira, lida em biblioteca ou declamada nas ruas, ou recitada como um Rap, a poesia altera paisagens e contextos de onde passa a habitar.
Um conjunto de possibilidades emerge como desafio à leitura de poesia e novidade nas últimas décadas. As redes sociais permitem o acesso de mil caminhos para mundos e mais mundos, conteúdos, interações e links para todos os gostos e #hashtags.
A poesia, entretanto, emerge e submerge nessa estreita relação entre palavras, sintaxes, morfologias, performances e uma necessidade de se inscrever no verbo de sua criatura. Esses enlaces evidenciam poéticas contemporâneas esparramadas em dimensões que borram fronteiras e mares de tradições efêmeras e inevitáveis de tantos Likes e cifras.
Apontar para a edição de livro impresso como uma dessas possibilidades é integrar-se a um ecossistema e seus labirintos gravados em raízes ‘transmodernas’, troncos, folhas de toda árvore nutrida em solo cultural e artístico de onde se traduz aquilo que o filósofo argentino Rodolfo Kusch apontou em El hedor de América. Um sumo, o fedor do humos, singularidades geoculturais, uma chave e uma fechadura, ser e estar untado na vida para lida, não para o fim, para uma próxima página.
O que há na poética de nuestros escritores? O que há de passeio interior em cada título? Chave de um universo entre duas capas. O que Moçambique nos afro-futuriza em sua poesia de escrita índica? O que as Américas evidencia de Nuestra?
A Portuário Atelier Editorial convida à leitura de uma coleção que se inspira na natureza regenerativa e criativa humana. Na diversidade de cada escrita manifestada como poesia, Oriki, arte: fruta amadurecida no silêncio de poetas da Argentina, Brasil, Colômbia e Moçambique. Nuestra América e África literária tecem caminhos e intercâmbios líteroculturais com uma sintaxe que transpira silêncios. Silêncio indicador de uma unidade e fragmentação que une dois continentes e países de línguas ibéricas, e silenciadas.
Um sumo, um hedor, percebido por um passeio interior, untado no corpo, no suor do espaço – tempo, na lida de cada palavra enxuta, estampada pela poesia de João Vanderlei de Moraes Filho, com Batismo à Ordem da Verdade; Rony Bonn, com Privações; Pedro Pereira Lopes, com Mundo blue – Poemas em quarentena; Rómulo Bustos Aguirre, com Sacrificiais, traduzido por Wladimir Cazé. A edição de Passeio Interior reforça a vocação de intercâmbios lítero-culturais da Portuário Atelier Editorial a partir da edição de livros e difusão literária entre Nuestra América e África.
Reforçando sua vocação de intercâmbios lítero-culturais, a Portuário enlaça desta vez a poesia do Brasil, Colômbia e Moçambique, com o lançamento da Coleção Passeio Interior.
Quinta-feira, dia 21 de janeiro, a partir das 15h, escutaremos a leitura e conversaremos com os autores em uma LIVE no perfil da editora no Instagram..

Do Brasil, João Vanderlei de Moraes Filho comparece com seu sexto poemário. Segundo a escritora Lílian Almeida, o livro nos batiza no ofício humano de deixar cair as pétalas ressequidas para reviver primaveras, nos consagra ao sagrado: a transformação mística, espiritual (…).
RELIGARE
Centrado na luz, nas flores,
no passeio interior, no giro
dos planetas, na órbita
dos caminhos. Na magia
dos sinais de chuva e dos raios
de sol desenhados no chão
rumo ao rio. Onde quer que
seja, nado. Nada. Vazio.
Flores Amarelas, Brancas,
Acácias.
Aro,
planto, nado, Acácias Amarelas
rumo ao sol, ao rio, ao mar,
à chuva colhida, ao ar,
às pronúncias inacessíveis
do canto concêntrico do vazio
de si mesmo.
Estio.
…
p, 29)

Em seu primeiro livro publicado, Rony Bonn, autor de privações é uma das apostas da Portuário. Com um caminho respeitado nas artes visuais, Rony, segundo o poeta Nuno Gonçalves, nos apresenta uma poética seca, direta e atinge diretamente o fígado. Seus poemas são autênticos acarajés de realidade. Não é feita pra agradar nem serve de consolo a ninguém. Revolta & beleza mescladas em versos onde nenhuma palavra é excessiva.
IDENTIDADE
É porque você
não repara
a distância que
nos separa
na imagem frente
ao espelho
e na mentira
expressa na fala
mas quando você
se depara com
uma realidade
que não se compara
não há justiça
que se faça querendo
fazer vistas grossas
com a verdade
estampada na cara.
(p. 11)

O leitor de poesia em língua portuguesa terá o prazer de apreciar a poesia de Rómulo Bustos Aguerre, um dos nomes contemporâneos mais importantes e premiados da literatura colombiana. Sacrificiais, traduzido por Wladimir Cazé, é o primeiro livro de Rómulo traduzido para o português. O poeta José Inácio Vieira de Melo considera que sua poética é construída sem pressa, numa espécie de sacerdócio consciente de que, no devido tempo, o verbo se fará presente no altar, embora não saiba qual será seu temperamento, mas já intuindo sua feição.
O ETERNO
O eterno está sempre ocorrendo
ante teus olhos
Vivo e opaco como uma pedra
E tu deves polir essa pedra
até fazer dela um espelho em que possas fitar-te a ti
fitando-a
Mas então o espelho já será água e escapará
entre teus dedos
O eterno está sempre em fuga ante teus olhos.
(p.17)

Pedro Pereira Lopes, moçambicano, jovem escritor com uma carreira já transnacional, com títulos publicados no Brasil e em Portugal. Pedro finaliza sua trilogia com Mundo Blue – Poemas em quarentena, batizando um poemário composto por duas unidades: à beira da ilha: choviam meteoritos no mar e névoa seca. Para João Vanderlei de Moraes Filho, acessá-las como poema em quarentena condensa a leitura de trinta e nove fragmentos em uma órbita impregnada de horizontes e de um sal que adoça a distancia escolhida e ancorada nos tantos mares deixados em Maputo, beira que por demais conhece o poeta na saudade atlântica que lhe atrai...
4.
falávamos dos escritores e das suas paixões
mar ilha álcool e mulher
o sexo sobrepõe-se à mulher?
as paixões são utensílios – como uma cana de fisgar
a poesia é o peixe
tenho sorte em ser o teu poeta mais-que-tudo
aliás – o segundo mais-querido – depois do torga
e eu penso que sim
o sonho e o céu dividem a hóstia
costa do sol está diferente – calçadas de requinte águas
menos enlameadas
peixe com piripiri e limão
comi calado como sempre
(sei o quanto te azeda este meu ritmo)
a pensar em infindas possibilidades para o futuro.
maputo, 11/04/2015
(p.21)
As capas dos livros foram ilustradas com obras do artista plástico brasileiro Zuzart. Segundo o capista, a “experiência colaborativa da Editora Portuário provoca intercâmbios importantes entre profissionais da arte e da cultura. Passeio Interior me fez mergulhar na poética de autores que certamente não teria acessado não fosse a presença do Atelier Editorial da Portuário.” Para Gernán Amanto, poeta e design gráfico argentino, responsável pela arte da capa, a edição dessa Coleção ultrapassa a publicação de meros livros, são mesmo obras um passeio interior nos intercâmbios que a arte e a cultura podem promover, inter-cambios.
Nosso Atelier, dessa forma, oferece uma planta fecunda para difusão de leituras e escritas que se permitem germinar por uma estética do Ser e Estar em um ecossistema. Numa biblio’esfera. Palavras e páginas, olhos tatuados no tecido que nos descobre alimentando a bibliodiversidade, objetivo comum daqueles que habitam a feitura colaborativa dos quatro sintaxes poéticas dessa Coleção.
E assim, seguiremos, em um Passeio Interior. Sem calar-se, em estado de arte, delineando novas rotas marítimas e plantando novas árvores, não para provocar esquecimentos, mas para ouriçar novas sementes.
Lançamento da Coleção Interior
R$ 45,00 (Frete Grátis para todo Brasil)
Quando? quinta-feira, dia 21 de janeiro,
Quem? horas? das 15h às 19h
Rony Bonn, Privações, 15h
Pedro Pereira Lopes, Mundo blue – poemas em quarentena, 16h
João Vanderlei de Moraes Filho, Batismo à Órdem da Verdade, 17h
Rómulo Bustos Aguirre, Sacrificiais, 18h.
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